Era tarde da noite. Em uma casa humilde, que ficava dentro de um bosque mais humilde ainda, uma raposa, de caneta na boca, olhava nervosamente para um livro aberto, em branco.
- Ai ai ai... – disse Luís, a raposa em questão, abanando o rabo nervosamente. – Eu quero escrever alguma coisa. Eu sei que quero. Mas estou sem idéias...
O animal olhou, pela janela, para o mundo afora. Era tarde da noite, mais do que na hora de alguém de sua espécie dormir. Com um último bocejo e um olhar decepcionado para o papel em branco a sua frente, foi para sua cama.
Na manhã seguinte, a primeira coisa que Luís fez foi olhar pela janela de seu quarto. Tudo estava coberto por uma grossa camada de neve e gelo, com a forte luz do sol batendo no rosto de qualquer ser que ousar olhar para baixo ou para cima. Luís levantou-se, acendeu sua lareira, preparou um sanduíche de peito de frango feral para si mesmo (ele é uma raposa, afinal de contas), vestiu a jaqueta e o boné militarista que herdou de seu avô e, com o seu café da manhã na boca, foi dar uma caminhada pelo bosque para se inspirar.
O vento frio batia no focinho do canídeo e deixava-o seco, exigindo lambidas constantes. Seu frondoso pelo laranja ajudava muito na tarefa de se proteger do frio, embora a bela jaqueta que seu avô lhe deu era necessária em dias como aquele. Luís era uma raposa humilde, não se importava com aparências - embora sua vestimenta daquele momento fosse bem estilosa.
- Bem, vamos ver o que temos aqui... – Disse Luís, usando seus sentidos aguçados para procurar por toda e qualquer fonte de inspiração poética.
Um fino miado se ouviu no horizonte, junto com gritos e interjeições de choque. “Hrm.”, Luís pensou. “Provavelmente, um felino filhote se machucou enquanto brincava... Inspiração? Zero...”
Luís resolveu olhar para o céu. “O que está acima de nós sempre é uma ótima inspiração poética”, pensou ele. Os céus estavam calados naquela manhã, com seus habitantes se escondendo da neve e do frio. A única coisa que passou pelos ceús eram dois falcões desenvolvidos, provavelmente um casal. “Amor... Hmph. Muito clichê...” Concluiu a raposa, tentando esconder o fato de que nunca amou, e não saberia escrever nada sobre o amor. “O bosque está pouco interessante hoje... Parece que eu vou ter de ir à cidade.”
A cidade mais próxima do bosque onde Luís não passava de um mero vilarejo, mas isso não a impedia de estar sempre lotada. O barulho de dezenas de anthros falando ao mesmo tempo, com os anúncios de vendas em voz alta vindos dos comerciantes, deixavam Luís confuso e desnorteado, devido a sua excelente audição canina, e é por isso que ele mora em um bosque dominado por ferais. No centro da cidade, ao lado da igreja, havia o único lugar silencioso da vila, um paraíso cultural – a biblioteca municipal, que por acaso era também o lugar favorito de Luís, fora sua humilde cabana.
- Dona Camélia? – Perguntou Luís, batendo na grande porta da biblioteca, entrando e pendurando suas coisas. O lugar era equipado com uma pequena lareira, o que inutilizava a jaqueta que a raposa estava usando.
- Luís? Luís Reinhardt? É você? – perguntava a velha Camélia. A pobre ovelha não ouvia quase mais nada.
- Claro que sou eu, minha senhora. Eu sou a única pessoa que visita esse lugar, se lembra?
- Ah, claro. Infelizmente, a cultura dos habitantes da vila tem reduzido muito, de acordo com minhas observações. A biblioteca já foi um ponto badalado daqui... Agora todos só preferem a vida noturna, até mesmo os diurnos... Acredita?!
- É, infelizmente ninguém liga para livros atualmente...
- Então, o que deseja na biblioteca hoje, Luís? Eu adquiri um volume realmente interessante nesses últimos dias...
- Ah, não. Só estou a procura de inspirações para minha obra mais recente... Então, meus livros são populares por aqui?
- Oh, meu querido, tenho de admitir que não. O nosso acervo está caindo aos pedaços, e você... Bem, embora suas obras sejam realmente ótimas, você ainda é um escritor iniciante, sem editora, sem sucesso. Sinceramente espero que sua nova obra o leve a fama...
- Eu também, Camélia. Eu também...
Luís resolveu passear pela biblioteca até esbarrar em um livro inspiracional. Reza a lenda de que a biblioteca já foi a mansão da pessoa mais rica da cidade, porvavelmente o avô de Camélia. Por causa disso, o edifício era absolutamente enorme, com corredores largos e lotados de estantes cheias de livros. Filosofia, geometria, história... Havia de tudo lá. A raposa caminhava tranquilamente pelo edifício, até que esbarrou em um livro jogado no chão – uma enorme heresia, para um bibliófilo como ele.
- Hm? – Perguntou-se o anthro ao ver o livro, virando um pouco sua cabeça. – Que livro será este?...
A raposa pegou o pesado volume e leu sua capa de couro. Nela estava escrito:
OBRAS COMPLETAS DE JÚLIO VERNE
- Ohhhhhh, Júlio Verne! Eu preciso ler isso!
O canídeo correu para procurar um lugar para sentar, rebatendo sua cauda por todos os lados e acidentalmente derrubando alguns livros. Depois de um certo tempo procurando, encontrou a única mesa da biblioteca (acredite, em um lugar com tantos livros e corredores, é difícil achar tal coisa) e sentou na cadeira que a acompanhava.
Horas e horas se passaram e Luís continuava bitucado nos livros do velho Verne. Já era tarde da noite quando Camélia veio falar com a raposa.
- Luís? – Perguntou a velha ovelha, procurando a raposa por todo o lado. Sabendo a localização da mesa, logo encontrou-a. – Oh, Luís! A biblioteca já vai fechar!
- O quê? Fechar? – Luís imediatamente olhou para o velho relógio da biblioteca. – Caraca, nove! Nove da noite! Desculpe-me, Camélia! Tenho de ir!
Correndo, Luís pegou sua jaqueta e seu boné, vestiu-os e deixou a biblioteca. A velha Camélia o seguia, mas a pobre idosa não alcançava a jovem raposa. Quando chegou na porta, Luís já estava distante, no meio da vila.
- Luís! – Gritou Camélia, com toda sua força. – Você por acaso conseguiu encontrar sua inspiração?
Luís imediatamente parou de correr. Ele ainda não tinha encontrado sua inspiração! Como uma última esperança, olhou para seu redor. Os noturnos estavam chegando e alguns poucos diurnos ainda bebiam e festejavam, mas nada de mais acontecia.
Luís estava em pânico por ter encontrado sua inspiração, até que ele teve uma epfiania. Sua inspiração esteve sempre à sua frente e a seu lado, em todo lugar! A raposa voltou a correr, agora ainda mais rápido, em rumo a sua casa na floresta. Teve de atropelar alguns anthros na cidade, mas suas idéias não podiam esperar. Quando chegou em sua cabana, a lua já estava em seu pico no céu. Largou sua jaqueta e seu casaco no cabide, pegou a caneta e começou a escrever sua história.
Esta história começa numa casa humilde, em um bosque mais humilde ainda, onde uma humilde raposa pretende escrever um livro...
Esta história foi inspirada pelo desenho “Vintertid”, do excelente artista furry escocês conhecido na internet come StrangeFox. StranjFox ou simplesmente Stranj. Confira suas galerias no deviantArt (strange-fox.deviantart.com) e no FurAffinity (http://www.furaffinity.net/user/strange-fox/)!
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