terça-feira, 19 de novembro de 2013

Le Roman de Reynard e Robin Hood (Disney)

Durante as décadas 60, 70 e 80, desenhos animados não estavam fazendo muito sucesso. Após a chamada Era de Ouro dos Desenhos Animados durante os anos 40 e 50, cartoons caíram em um período de baixa popularidade. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Pernalonga não podia mais dar marretadas na cabeça de Hitler e Mickey e companhia não podiam mais zoar de japoneses dentuços, e já que os desenhos animados da época eram sátiras (bem cruéis, até) dos acontecimentos do mundo real, isto causou uma "seca" de conteúdo. Porém, em contrapartida, o surgimento de novas técnicas de animação diminuiu o custo e aumentou a velocidade da produção de longa-metragens animados, técnicas das qual a grande Walt Disney Pictures tirou proveito para lançar um fluxo constante de filmes na época para compensar sua relativa inatividade durante a guerra. Abandonando o desenho feito totalmente a mão das décadas anteriores, os estúdios da Disney criaram histórias igualmente clássicas e memoráveis que, mesmo sendo amadas pelo público geral, são criticadas pela comunidade de fãs mais hardcore da produtora pela sua animação tosca e personagens e histórias pouco criativas. Alguns filmes produzidos pela empresa na época (popularmente chamada de Idade das Trevas dos Desenhos Animados, em referência ao caótico período medieval) são Bernardo E Bianca e As Peripécias Do Ratinho Detetive, e embora ambos são de interesse dos membros da furry fandom, o tópico deste post será o mais conhecido filme da produtora na época, Robin Hood, originalmente lançado em 1973.


Os quatro protagonistas do filme.
Robin Hood, como o nome indica, é uma "Disney-ificação" do conto/fábula/lenda britânico de mesmo nome, com a diferença de que todos os personagens são animais antropomórficos que seguem os estereótipos típicos de suas espécies e de seus papéis na história. Embora a empresa estadounidense sempre tenha usado animais antropomórficos em seus curtas animados, este foi o primeiro verdadeiro longa-metragem da produtora a usar este tipo de personagem (compilações de curtas e musicais envolvendo tais criaturas foram produzidos no período pós-guerra, dentre eles uma adaptação do clássico livro "infantil" britânico The Wind In The Willows). Uma característica notável de Robin Hood é que seus personagens são mais antropomórficos que o "normal" para  a época e para a produtora, com estaturas e formas corporais humanas similares às de personagens de furry fandom.

O roteiro do filme (obviamente) segue a história original do jeito mais simples o possível: o Rei Ricardo da Inglaterra (um leão) abandona seu país para ir à guerra, deixando seu irmão João (um leão-da-montanha) como governante temporário. Porém, o arrogante, egoísta e infantil João se declara Rei permanente durante a ausência de seu irmão, espalhando altos impostos pela ilha, com um jovem raposo conhecido como Robin Hood surgindo para vingar todo o povo britânico ao roubar dos ricos e dar aos pobres com muita esperteza. O filme começa algum tempo depois de tais eventos, com Hood já tendo suporte do povo da vila de Nottingham (uma cidade inglesa que existe de verdade até hoje) e sendo fortemente procurado pelo déspota, e conta a história de sua reunião com Dama Marian, uma antiga namorada (também uma raposa) que sempre teve uma vida privilegiada e de como eles juntos derrubaram o falso rei.

Fan-art. O personagem principal segue perfeitamente o estereótipo do ladrão gentil e bem-educado.


Comparado aos filmes produzidos antes e depois pela Disney, Robin Hood é relativamente fraco. A trilha sonora, composta principalmente por canções folk cantadas por um dos personagens da trama  que frequentemente quebra a "quarta barreira" de interação, é fraca, os personagens são simples e seguem estereótipos de suas espécies (ou vice-versa) e, infelizmente, a animação é a pior parte do filme. Assisti Bambi recentemente e posso comprovar isto! Mecânica, com traços de lápis aparentes... Os exemplos mais gritantes são os ratos da capela (cujos desenhos são reciclados de Bernardo e Bianca) e a cena da banda de elefantes, que repete exatamente o mesmo trecho duas vezes seguidas para dar a impressão de movimento, tornando a cena muito estranha. O último é tão bizarro que eu acho que é um erro de produção deixado no corte original do filme; como não tenho as versões mais recentes em DVD e/ou Blu-Ray em minhas mãos, não posso comprovar minha teoria.

Capa da versão de 40 anos do filme, lançada recentemente. Espero que os extras forneçam algumas explicações...


A melhor parte de Robin Hood definitivamente são os bastidores dos estúdios Disney na época. Originalmente, o filme seria uma adaptação de outra lenda européia sobre um personagem astuto que até hoje é muito conhecido em sua terra natal, A História de Reynard/Renard/Reinhart. Para aqueles pouco ligados na cultura do Velho Mundo, A História De Reynard narra as peripécias do jovem Reynard, um raposo aristocrata esperto e mentiroso como o diabo que viaja pelos quatro cantos do mundo, manipulando e enganado os animais que conhece por puro prazer ou para realizar seus desejos nefastos (que normalmente envolvem roubos e/ou assasinatos). As peripécias do canino diabólico possuem muitas versões (característica comum entre todas as lendas do mundo), mas a mais conhecida é a que conta como Reynard foi levado à justiça por seus arqui-inimigos, o lobo Isengrim (caracterizado em certas versões como o tio do personagem principal e ex-criminoso) e o galo Chanticlér, conseguindo escapar da morte usando "apenas" seus jogos de palavras e o incentivo de seu sobrinho, o texugo Grimbert.

Uma das muitas representações de Reynard em livros e manuscritos, extraído de um livro infantil de 1869.


Embora praticamente desconhecido aqui no Brasil, Reynard é conhecido por toda a Europa e ganhou adaptações diversas (a mais popular sendo um desenho animado francês na década de 80, que praticamente criou a furry fandom européia), tornando suas histórias algumas das mais contadas e ouvidas por pessoas de todas as idades do Velho Mundo. Porém, devido ao mau caráter do personagem, os roteiristas do filme tentaram "suavizar" sua personalidade e a mensagem que ela passa adicionando elementos de Robin Hood a sua história. Tais adições chegaram a um certo ponto em que os personagens de Reynard e Hood eram praticamente idênticos, o que levou à decisão dos roteiristas de tornar o filme uma adaptação direta dos contos do ladrão mais famoso da Europa com os animais antropomórficos do projeto original. Ainda assim, certos elementos do filme lançado ao público são reminiscentes dos contos de Renart e compania, como o personagem do Frei Tuck (um texugo que ajuda Robin em sua missão, assim como Grimbert) e (SPOILER) a cena no fim do filme em que o protagonista supostamente morre afogado.

Devido a antropomorfização total de seus personagens, Robin Hood é sempre citado como uma das maiores influências para a criação da furry fandom, junto de Albedo Antropomorphics, Sonic The Hedgehog e outros grandes nomes das décadas de 70 a 90. Até hoje, a fandom é lotada de homenagens e tributos à raposa mais famosa da Disney, que vão de arte a fursuits.

Outra fan-art, desta vez por um furry. Artista: 7THeaven

Mesmo sendo fraco em muitos aspectos, o filme teve um grande impacto no mundo das animações, já que este foi o último filme em que Don Bluth trabalhou durante sua estada na Grande D. Irritado com o barateamento e inferiorização dos animações da produtora e enfrentando problemas de relação com seus parceiros de trabalho, Bluth saiu da Disney para produzir filmes e curtas animados de maneira idependente, sem se importar com a quantidade de dinheiro usado e/ou as convenções tradicionais do gênero, o que levou a criação de outras influências para a fandom, como os filmes A Ratinha Valente (The Secret of NIMH) e Um Conto Americano (An American Tail).

Mesmo com todas as suas falhas, Robin Hood é um dos mais conhecidos filmes da Disney, especialmente entre a furry fandom. Se você ainda não assistiu, assista algum dia desses!


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